Mulheres Amazônicas - Após ser expulsa de casa com um filho de dois anos no colo, ela encontra no projeto Máscara Mais Renda um incentivo para seguir em frente

June 21, 2024

Nesta série cativante, intitulada "Mulheres Amazônicas", mergulharemos nas vidas e histórias de nove mulheres excepcionais, cada uma representando um estado amazônico, cujas trajetórias brilhantes foram moldadas por coragem, determinação e um compromisso inabalável com a transformação. Prepare-se para se inspirar, pois juntos exploraremos as conquistas, os desafios superados e o impacto significativo que o projeto Máscara Mais Renda deixou em suas vidas.

Para preservar a privacidade da entrevistada, identidades, nomes e detalhes específicos foram cuidadosamente omitidos e substituídos neste artigo. Nosso foco reside inteiramente nas experiências e percepções compartilhadas, destacando o valor das histórias individuais que muitas vezes preferem permanecer discretas. Através deste artigo, buscamos honrar as narrativas e percepções genuínas da entrevistada, enquanto respeitamos plenamente sua escolha de anonimato.

Acompanhe-nos, explorando essa trajetória inspiradora!

O que é sucesso para você? E o que é sucesso para cada ser humano?

Essa é uma das perguntas que nos fazemos quando trabalhamos em projetos sociais, onde a superação, muitas vezes invisível aos olhos de quem está de fora, representa um grande sucesso na vida dos participantes. Trabalhando com um público social e economicamente vulnerável, pequenos avanços nos parecem tímidas conquistas, porém representam enormes vitórias para pessoas que muitas vezes não tem comida na mesa, estão com suas contas cortadas por falta de pagamento ou dependem de terceiros para sobreviver, o que geralmente os colocam em uma condição humilhante. A história de Larissa, uma das costureiras do projeto Máscara Mais Renda Fase 2, nos ensina a reconhecer este valor. 

Larissa é uma moça do estado do Amapá, região Norte do país. Com um filho de dois anos, a jovem morava com sua tia, dedicando seus dias a cuidar do seu filho e a fazer pequenos serviços de costura, um conhecimento que herdou das mulheres da família, tanto do lado do pai, quanto da mãe. 

“Eu não sou uma costureira profissional, eu costuro porque aprendi de geração, minhas avós tanto maternas quanto paternas são costureiras, e as mães delas eram costureiras, assim como as mães das mães delas também. Dos mais novos, eu fui a única que se interessou por costurar. Eu costuro amadoramente, mas como eu estava sem emprego e sempre participo de projetos como costureira, eu me inscrevi no Máscara Mais Renda, a partir da indicação de uma instituição que sou ligada aqui na cidade, porque na época eu estava em um momento bem difícil mesmo, precisando dessa renda”.

Na ocasião da inscrição, que aconteceu em julho de 2022, Larissa estava morando de favor na casa de uma tia, até que recebeu uma notícia que mudou totalmente a sua rotina. “Eu engravidei irresponsavelmente e essa minha tia me expulsou de sua casa. Fiquei sem ter onde morar com meu filho de dois anos, e também sem ter onde costurar. Então tivemos que ir morar com esse rapaz que eu engravidei, mas foi muito ruim, porque ele maltratava meu primeiro filhinho. Eu não admiti, não tolerei, e resolvi ir embora. Mas para onde?”, explica. 

Apesar do medo e da dor que estava sentindo, a menina se articulou e conseguiu ser recebida na casa de uma amiga. “Essa amiga nos abrigou”, continua. “Apesar de estarmos eu e meu filhinho abrigados, eu estava com muita dificuldade de costurar as máscaras. No pequeno quarto onde a gente foi acomodado não tinha espaço para guardar minhas coisas de costura”, conta. 

A situação ficou ainda mais difícil quando um acidente aconteceu. “Eu caí no chão quando fui lavar minhas roupas. Escorreguei e caí. Eu sangrei muito, foi perigoso porque eu sou uma mulher magrinha, pequena, e perdi muito sangue. Também fiquei muitos dias vomitando, não tinha explicação pra eu ficar vomitando tanto, mas a médica explicou que era nervoso, era psicológico”. 

Casos como os de Larissa não são exceções.  “A pandemia do novo coronavírus deixou sem trabalho milhares de mulheres chefes de família. Costureiras e artesãs, que perderam sua única fonte de renda. Neste contexto, as máscaras passaram a ser item obrigatório para todas e todos, para reduzir o contágio pela doença. Diante deste cenário nasceu o projeto Máscara+Renda: uma união de empresas e instituições para reduzir os impactos da pandemia”, explica Alice Freitas, uma das fundadoras da Rede Asta, organização realizadora do projeto.

Durante dois meses da fase dois do projeto, realizadas inteiramente para atender mulheres da Amazônia brasileira, cada mulher produziu 1.500 máscaras, totalizando 192 mil. As máscaras estão sendo distribuídas nas comunidades vulneráveis dos municípios onde elas moram. Pela produção, as costureiras e artesãs recebem R$2.400,00, cada uma, e ainda ajudam a conter a disseminação do coronavírus e outras doenças na região. "Sabemos que cada mulher tem uma história de vida diferente, particular; porém todas estão atravessadas por um contexto socioeconômico de vulnerabilidade, o que faz com que muitas delas tenham que gerar renda com certa urgência, para sair de situações graves como as de Larissa. Dessa forma, o projeto chega como uma esperança de melhora rápida e um incentivo para seguir em frente”, ressalta Mariana Guimarães, gerente do projeto.

Foi o caso de Larissa, que sentiu muita dificuldade de entregar os lotes de 500 máscaras, cada, totalizando as 1.500 unidades previstas a serem feitas por cada mulher participante. Ela conta que fez todo o esforço para, mesmo nessa situação, concluir as entregas, de forma a restabelecer sua vida, começando por conseguir um novo lugar para morar com seu filho. “Eu estava morando em um quarto pequeno com meu filho, sem lugar para guardar a máquina, sem um móvel próprio porque metade das minhas coisas ainda estavam na casa da minha tia que me expulsou e a outra metade eu havia vendido pra uma pessoa que estava se recusando a me pagar, nem queria devolver as coisas que vendi”, lamenta. 

Imersa em um contexto desfavorável, Larissa diz que não se permitiu parar de se esforçar, porque, afinal, era urgente sair daquela condição. O projeto Máscara Mais Renda acabou representando, para ela, o incentivo que precisava naquele momento. “Mesmo fraca eu me esforcei e consegui entregar o segundo e o terceiro lote de uma vez só, porque, como ainda não tenho onde morar nesse momento, eu precisava desse dinheiro para alugar um lugar para sair dessa condição de favor, e foi justamente esse dinheiro do projeto que me proporcionou fazer esta programação. Além de alugar um espaço pra nós dois, vou conseguir também comprar algumas coisas pra nova casa, já que a pessoa que comprou o que eu tinha está se recusado a me pagar ou a me devolver”, explica a mulher. 

Tanta dificuldade para garantir itens básicos como moradia e alimentação acabam por ocasionar instabilidade psicológica nas mulheres. Para mitigar também esse aspecto, além de investir em uma série de campanhas de saúde que foram compartilhadas nos grupos criados para atendê-las, o projeto produziu eventos online com foco na prevenção ao coronavírus, saúde mental e combate às fake news.

Em uma das iniciativas, na live “Luto pós-Covid 19”, realizada em 22 de setembro, com a psicóloga Mariana Clark, as costureiras e artesãs puderam dialogar sobre suas perdas, especialmente na pandemia, para fortalecer a saúde mental, tão abalada nestes tempos difíceis. “O luto é um processo de rompimento de vínculo. À medida que rompemos um vínculo com alguém ou alguma coisa, entramos em processo de luto. Só que não passamos por isso só quando perdemos pessoas que amamos. Existe uma categoria chamada ‘lutos não reconhecidos’, que são essas experiências de rompimentos que vivemos ao longo da vida. Pesquisas apontam que passaremos por 20 dessas em média e, assim como com o luto de quando perdemos alguém, temos que reaprender a viver a partir dessas dores”, explicou a psicóloga Mariana Clark, ressaltando a necessidade de se falar sobre o tema.

Outra iniciativa do projeto foi o envio de smartphones para as mulheres. “Agora elas podem se conectar com mais facilidade à rede de costureiras criada a partir do projeto, estreitar a comunicação com seus clientes, buscar dicas e formações online sobre seu ofício, encerrando mais um ciclo do projeto Máscara Mais Renda”, explica a gerente Mariana.

Além de apoiá-las em possíveis negócios e estimular seu perfil empreendedor, os celulares pretendem ser fonte de informações qualificadas para essas moradoras de regiões vulneráveis que, frequentemente, deparam-se com notícias falsas. Uma pesquisa realizada em 2020, pela Kaspersky, empresa global de cibersegurança, revelou que 62% dos brasileiros não sabem reconhecer fake news, a doença social de nosso século. “Na área da saúde, o poder negativo da divulgação de falsas notícias tem um efeito devastador. Pode interferir nos resultados que se pretende obter com campanhas de vacinação, estudos, pesquisas de novos medicamentos, enfim pode fazer com que novas e antigas doenças se espalhem e ressurjam, respectivamente, de forma mais rápida”, explica a Dra. Adele Schwartz Benzaken, pesquisadora da Fiocruz Amazonas na área da Saúde Pública. “Por isso, as costureiras e artesãs do projeto são incentivadas a checar as informações que recebem pelo celular. Esse trabalho conta com envio de cards contendo dicas, participação em lives e um vídeo didático sobre como averiguar a veracidade das notícias, especialmente as que falam de saúde, compartilhadas em grupos de WhatsApp e nas redes sociais”, explica Alice Freitas. 

Os smartphones também foram importantes na facilitação do processo de doação das máscaras produzidas por elas, potencializando a autoestima das mulheres participantes, que além de serem ajudadas puderam ajudar outras pessoas também. “Participar deste projeto foi uma grande benção, de todas as formas!. Poder ajudar as pessoas é sempre muito bom, principalmente em momentos como esse, quando o coronavírus trouxe e está trazendo tantos danos para população. A informação e o cuidado gerado pelo projeto Máscara Mais Renda, foi e é de extrema utilidade para a população. Eu tenho orgulho e gratidão por poder ter participado de algo assim” - finaliza Larissa.

Sobre o apoio para realização do projeto

A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a Iniciativa de Novos Parceiros, Ampliando Parcerias em Saúde (NPI EXPAND) e SITAWI (Finanças do Bem) formam a parceria para apoiar a Resposta à COVID-19 na Região Amazônica  brasileira. A “NPI EXPAND Brasil: Resposta à COVID-19 na Região Amazônica Brasileira (fase 2)” é uma iniciativa que engaja organizações da sociedade civil (OSCs) em parcerias estratégicas para alavancar soluções inovadoras e escaláveis para fortalecer a resposta rápida a emergências e ao combate a COVID-19. A primeira fase da iniciativa, também conhecida como “PPA Solidariedade”, contou com a Plataforma Parceiros Pela Amazônia (PPA). Essa parceria inovadora com o setor privado distribuiu mais de 23 mil cestas básicas e kits de higiene, capacitou mais de 500 agentes comunitários de saúde, doou mais de 1,4 milhão de máscaras feitas por costureiras locais e divulgou mensagens educativas de prevenção para mais de 875 mil pessoas na região. A segunda e nova fase da iniciativa está promovendo maior resiliência das comunidades amazônicas através do apoio amplo a vacinação contra a COVID-19, de campanhas de informação e combate à fake News, fortalecendo os sistemas locais de saúde na região com equipamentos e insumos para detectar, prevenir e controlar a transmissão de COVID-19, bem como, treinar profissionais de saúde, realizar o acompanhamento de casos agudos de COVID-19 e tratar as sequelas de síndrome pós-COVID-19.

Sobre a Rede Asta

Fundada em 2005, a organização sem fins lucrativos foca seu trabalho em ações que possam melhorar a vida das pessoas e das comunidades. Suas áreas de atuação são os nano e pequenos negócios, a geração de renda e fortalecimento da economia dos territórios. Também atua pela sustentabilidade do planeta por meio do reaproveitamento de resíduos como matérias-primas dos produtos feitos por nano empreendedores, especialmente mulheres. 

*Mariana Guimarães é jornalista e gerente do projeto Máscara + Renda.